segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Chegar em Casa

É mais um dia na incrível e inebriante rotina de nosso genial amigo Rox. Uma frase com excesso de ironias e falta de explicações. Vamos a elas: Ainda no colégio, Rox costuma acordar cedo e isso nem sempre significa manter-se acordado. Mas, convenhamos, ele se esforça. Afinal, os adolescentes precisam de mais tempo de sono do que as “pessoas normais”, cujo dia ideal teria, no mínimo, umas trinta e seis horas. Seja para tentar fazer mais dinheiro trabalhando pelo menos trinta horas desse dia, ou fazendo nada por tempo ilimitado. Algumas pessoas ainda sonhariam com isso. Rox simplesmente não se importava. Engolia seu café da manhã e deixava seus devaneios inseguros sobre um mundo perfeito confortavelmente deitados em seu travesseiro, ou, muitas vezes, levava junto como material indispensável em uma interminável aula de história.
Na escola, as coisas não são muito diferentes do habitual. Rox, como bom exemplo de uma pessoa perfeitamente normal, chega junto com seus colegas e os cumprimenta com sonolentos Bons-dias, alguns pouco audíveis, e se senta no mesmo lugar de sempre, embora não seja obrigatório. É engraçado como as pessoas tendem a se acostumar facilmente com pequenas rotinas criadas por elas mesmas, transformando em banais, dias que poderiam ser únicos. E foi em um dia como esse que a mente do nosso herói começa a ter seus vislumbres de racionalidade um tanto quanto criteriosa, mas fazer o que? É aqui que tudo começa para nós.
Quarta-feira é um dia curioso, não é verdade? É o dia mais distante de qualquer fim de semana. Sempre achei o dia mais cansativo da semana, quando se olha pra trás o último domingo tão distante, e ao olhar pra frente o próximo igualmente longínquo. Ainda mais para Rox cuja quarta-feira compreendia dois períodos de Geografia, História e alguma outra matéria que, afinal, àquela altura já não importava, qualquer coisa precedida disso era, em si, cansativa. Tudo bem que para Rox essas matérias não eram tão problemáticas, contudo não deixavam de ser cansativas.
Nessa quarta, em especial, Rox sentia-se mais cansado do que o normal. Não que as aulas estivessem consumindo mais do nosso perspicaz aluno, mas porque a última terça-feira havia sido maravilhosa. Oh Gloriosa Terça-Feira. Quase fazia tudo aquilo valer à pena, embora o dia parecesse interminável tendo acabado de começar. O problema real era saber se um dia como aquele poderia voltar a acontecer, e caso possível, com urgência! O tempo é o mesmo, porém em alguns dias é difícil aproveitá-lo antes que acabem, e em outros parecem durar mais tempo que se possa imaginar.
— Bom dia, Rox! — cantarolou uma voz suave e conhecida ao seu ouvido direito.
— Já não cumprimentei você hoje? — respondeu Rox sem conseguir esconder a irritação por tê-lo despertado de seu devaneio.
Sofia era amiga de Rox há bastante tempo para se sentir ofendida com sua resposta. Conseguia entender perfeitamente o quanto esta aula o afetava e o quanto ele mesmo sabia que o seu Bom-Dia, repetido propositalmente, não visava uma resposta que estimulasse uma conversa. Sofia representava o estilo Normal de garota Incomum. Não andava para lá e para cá com as outras garotas, embora fizesse amizade com qualquer pessoa que sustentasse um nível de conversa inteligente. O mais estranho, no entanto, era sua amizade com Rox. Estranho, pois ele mesmo não a encoraja, a princípio, mas provou estar enganado em diversas ocasiões. Muitas vezes as pessoas precisam de relacionamentos como esse, uma espécie de consciência fora do seu próprio corpo, alguém para ajudar, ou simplesmente ouvir o que tem há dizer, ou, em alguns casos, mostrar exatamente o que se deve fazer.
— Dia ruim ontem? — insistiu Sofia, quase certeiramente.
“Como ela faz isso?”, pensou Rox.
— Não, até que não. — respondeu, vagamente, a contragosto. Tentando, em vão, fazer parecer que o assunto era remotamente interessante.
— Imagino que não. — continuou Sofia, com um sorriso. — Espero sinceramente que tenha aproveitado. Só não demonstre tanto. Sabe o que pode parecer. — Completou quase se divertindo.
— Você sabe que não me importo. — desencorajou o garoto. Parecia realmente ter muita vontade de continuar aquela conversa.
— Sei que não. — Repetiu Sofia, percebendo o tom da conversa. — Não me refiro às outras pessoas. — Mostrando que finalmente o assunto chegara ao ponto certo.
Rox também percebeu e finalmente ergueu a cabeça para encará-la, mas não disse nada. Pensara muita coisa até aquele momento, mas nada que ele pensasse definiria tão bem o que ele sentia. As pessoas nem sempre são complicadas, às vezes só são idiotas. Quase sempre incapazes de fazer algo que sentem ser o melhor a ser feito. Seus atos são minuciosamente calculados, as consequências são medidas e o resultado é sempre igual. Secam as folhas, passam os dias, crescem as flores e tudo continua como deveria ser. Ou como acham que deveria ser.
— Rox, acorda! — exclamou Sofia, observando atentamente enquanto Rox se perdia em pensamentos. — Eu não sei exatamente o que você quer com tudo isso, mas eu tenho que dizer o que eu acho. Para mim, você não se importa tanto quanto demonstra e ela se importa mais do que você pode perceber.
Ele não registrou de imediato o que a amiga disse. Ainda assim preferiu medir suas próximas palavras, algumas conversas parecem despretensiosas e raramente são.
— Não posso simplesmente relembrar uma das únicas tardes que não passei entediado, enquanto espero essa desgastante manhã acabar? — perguntou Rox, surpreendendo-se com a frase que acabar de formular.
— Você está muito pensativo hoje, Rox.
— E você parece surpresa com isso. — contrapôs Rox, recompondo-se.
— Eu não diria surpresa. — argumentou Sofia, pensativa. — Finalmente chego à conclusão que para você já não importa tanto a sua maravilhosa terça-feira.
Rox abriu a boca para retrucar, mas pensou um pouco mais. Algo que definitivamente estava ocorrendo muito naquela manhã. Realmente o que Sofia dissera fazia sentido. O que prova que ela o conhece além do que ele imaginava. Mostrar que ela está certa é outra situação que as pessoas detestam, como um bom exemplo, Rox preferiu permanecer em silêncio mais uma vez.
Era verdade que o dia anterior havia sido um dia excepcional e Rox ansiava e quase que vivia por esperar mais dias como aquele. Mais uma Bobagem. Viver lembrando um passado bom é quase tão estúpido quanto viver esperando um futuro melhor. Somente mais um erro comum dentre os cidadãos comuns. Rox sabia disso, mas agora já não importava. Saber não era essencial no momento, e ele já não estava tentando fazer o que ele tinha que fazer. Ou o que achava que tinha que fazer.
— Um minuto de silêncio em homenagem a morte dos neurônios de Rox. — disse Sofia em tom fúnebre, com um leve toque de ironia. — Chega de pensar por hoje!
— Tudo bem, tudo bem! — concluiu Rox, finalmente esboçando um sorriso. — Para mim não há mais o que entender mesmo! — completou balançando a cabeça.
Sofia sorriu verdadeiramente como não fizera a conversa toda. Um alívio a nobre alma do nosso confuso amigo. Afinal, para Rox, podia até não interessar o que os outros pensavam, mas, em se tratando de Sofia, sempre foi diferente. Para a amiga, era importante o que ele pensava e também sua opinião. Por isso a opinião da garota era tão importante agora. Finalmente podiam concordar.
— Bom, e quanto a ela? — perguntou Sofia, sem esperar, de fato, uma resposta.
— Quem? — disse Rox, sem conseguir voltar tão rápido ao assunto. — Ah! — lembrou ao encarar Sofia. — Sinceramente, eu não sei. No momento posso garantir que eu só quero chegar em casa. — respondeu finalmente, fugindo a pergunta.
A garota sustentou o olhar. Não podia culpá-lo por não saber o que queria e achou sensato não insistir, olhou a sua volta e disse:
— E não queremos todos?
Rox olhou ao redor também, todos os seus colegas esparramados nas carteiras esperando tocar o sinal da saída. Nesse momento, percebeu que não era exatamente isso que Sofia quis dizer, fermentou em sua cabeça a ideia de que a sua pergunta fora muito mais subjetiva do que soou a seus ouvidos.
— Talvez. — Respondeu Rox, incerto. E então achou mais fácil responder a sua outra indagação: — Com relação a quem você tinha me perguntado antes...
— A sua amiga de terça-feira? — completou Sofia, irritando o Rox pela sua descrição da pessoa, embora verdadeira. “Como ela faz isso?”, pensou mais uma vez.
— É! — continuou Rox, cerrando os dentes. — Sabe você tinha razão, ela merece mais do que qualquer coisa que eu possa fazer. — acrescentou sonsamente.
Sofia ergueu as sobrancelhas e perguntou:
— E quando foi que eu disse isso?
— Não, você nunca disse isso. — respondeu Rox tentando explicar enquanto, agora, Sofia franzia a testa. — Você tinha razão quando disse que eu não me importava. Eu sempre soube e não me impediu que tivéssemos bons momentos.
— Mas agora, depois de uma conversa totalmente sem noção, você teve coragem de admitir? — Perguntou Sofia cética.
— Mais ou menos. — considerou Rox. — Pelo menos coragem de admitir para você. Quem sabe agora eu consiga parar com seu interrogatório. — cutucou Rox.
— Não perguntei nada que você já não quisesse admitir desde o começo. — disse Sofia sabiamente. — E não me olhe com essa cara!
Rox desviou o olhar, rindo, e sobressaltou-se com as pessoas se levantando para ir embora. Nem reparara que havia acabado aula e finalmente o martírio chegara ao fim. Sofia também já levantava e acrescentou:
— Até que meu interrogatório serviu para alguma coisa, não é?
— Verdade. Conseguiu fazer a manhã parecer muito mais proveitosa do que realmente foi. — Respondeu Rox, e dessa vez estava sendo sincero.
— Vou encarar isso como um elogio. — disse Sofia, sem saber ao certo o que pensar. — Tchau Rox! Finalmente você vai fazer o que queria, não é? Chegar em casa?
— Não sei dizer ao certo. — disse Rox, pensando na questão. — Na realidade eu só espero chegar em casa... — ressaltando a palavra “espero” e pensando mais um pouco, acrescentou: — Um dia.
E com essa nota enigmática e um sorriso no rosto, despediu-se de uma Sofia confusa e levemente aturdida. Poucas coisas o deixavam tão satisfeito quanto confundi-la, pois era quase como deixar sua própria mente sem resposta. Pode parecer estranho, mas esse é o tipo de sensação que Rox gostava de sentir, como se o diferenciasse das outras pessoas. Viver para agir baseado nas suas emoções e nunca encontrar a solução de seus problemas da maneira racional. Simples e sutil, porém faz toda a diferença.

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